Pentecostes: da fé insuportável às alegrias do Espírito

“Muitas coisas ainda tenho a dizer-vos, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão” (Jo 16,12-13).

Jesus nos fala que somente pelo Espírito suportamos Sua verdade.  As exigências do Evangelho tantas vezes nos fazem repetir aqueles discípulos que não suportaram a doutrina do pão da vida, a eucaristia, e deixaram o seguimento de Jesus dizendo: Isto é muito duro! Quem o pode admitir?” – Jo 6,60.

“Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e, pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si” – 2Tm 4, 3. Vivemos esse tempo em que tantas vezes parece que o evangelho é difícil demais para se seguir. Como viver a pureza da castidade num mundo tão erotizado? Como viver o desapego e a liberdade em relação aos bens, num mundo consumista e materialista?  Como viver a obediência da fé num mundo liberalista?  Como constituir uma família alegre e fecunda em um tempo em que amor e egoísmo nos confundem? Como confiar-se a Deus, quando todos competitivamente se armam para a batalha capitalista? Como viver a vida, com todos os meios de entretenimento estão eivados de paganismo? Como crescer em inteligência à luz da fé quando as fontes de cultura militam contra essa fé? Essas e outras tantas exigências evangélicas parecem tornar a vivência da fé insuportável, inviável. Em meio ao drama do cristão pós-moderno surgem duas saídas: ou mudamos as exigências, adaptando o Evangelho à modernidade, seja propondo uma nova moral para a Igreja, seja relativizando a radicalidade cristã; ou clamamos esse Espírito que Jesus nos fala para que suportemos as exigências da verdade no mundo hoje.

Somente pelo Espírito suportamos e preservamos a doutrina de Cristo.  Por quê? O próprio Jesus responde no mesmo texto: “porque Ele vos conduzirá à plena verdade”. Somente na plenitude da Verdade vivemos a liberdade da fé. As meias-medidas, embora nos deixem na zona de conforto do título de cristão, na verdade nos traem. Por isso diz São João em Ap 3, 15-16 que os mornos serão vomitados. O alimento que está no organismo, mas não está em harmonia com ele deve ser lançado fora. O “mornismo” trai porque, ao querer conciliar o mundo com a fé, o cristão bebe uma deliciosa sopa envenenada. Parece que está tudo bem com a fé e seus desejos egoístas; ambos parecem se conciliar. Na verdade, esse infeliz condena sua fé a um piedosismo espiritualista vago que nem de longe sacia sua sede de Deus, e tampouco satisfaz seus egoísmos, porque essa fé medíocre ainda lhe impõe escrúpulos que não lhe permitem saciar os desejos de sua carne. Papa Francisco tem feito essa exortação, e numa delas nos diz: “São cristãos de bom senso, somente isto. Tomam distância. Cristãos, por assim dizer, ‘‘satélites’, que têm uma pequena Igreja na sua própria medida. Para usar as mesmas palavras que Jesus usou no Apocalipse, ‘‘cristãos mornos’. Essa coisa morna que acontece na Igreja… Caminham somente na presença do próprio bom-senso, do senso comum… aquela prudência mundana”.

Ao contrário, quando o Espírito nos dá a plenitude da Verdade, a autenticidade da fé, irrompe em nós a grandeza dos santos que nos torna capazes de suportar e anunciar a Verdade. Note-se que suporta aquele que carrega um peso. A vida no Espírito não torna a caminhada fácil, mas sim suportável, porque meu jugo é suave e meu peso é leve” – Mt 11, 30. Como?  A “verdade plena” não é somente a verdade inteira, mas é a verdade viva, penetrante, real e atuante em nós.  Se é por Cristo que recebemos o Espírito, é pelo Espírito que a Palavra se encarna no mundo e em nós. N’Ele tomamos posse da beleza de Cristo e nos tornamos fascinados por Ele. Por mais que sejamos fracos, esse desejo, esse fascínio por um esplendor incorruptível, se torna sempre uma decisão renovada por essa Palavra que sempre restaura, recria e converte. Então, sempre tudo será sempre belo e restaurador, e por mais árduo que sejam as exigências da fé e da caminhada, essa “verdade plena” em nós sempre nos manterá corajosamente em pé.

Nada expressa melhor essa transformação do que a embriaguês de Pentecostes (cf. At 2,13). Os discípulos se encurralavam num cenáculo, dominados pelo medo, num momento em que tudo parecia insuportável. Mas o Espírito sopra. E nesse sopro invade aqueles homens com a plenitude da Verdade. Agora, a fé parece ser um vinho embriagante de alegria, que os torna corajosos e capazes de vencer o mundo. E que mundo era esse? Era o Grande e ameaçador Império Romano. Grande e forte, mas abatido pela fé dos mártires. Sua última agonia foi ouvida do último Imperador pagão, Juliano, o apóstata (332-363) que, em seu leito de morte, sussurrou: “Tu venceste ó Galileu!”

Pentecostes é tempo de vinho, do vinho bom e alegre do Espírito. Ele é derramado para toda Igreja, mas embriaga somente os reunidos em comunidade, os pobres em espírito, que juntos mendigam a Deus o Seu Dom.

André Luis Botelho de Andrade
Fundador e Moderador da Comunidade Pantokrator 

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