A verdadeira liberdade

A verdadeira liberdade, mais do que uma conquista do homem, é um dom gratuito de Deus, fruto do Espírito Santo: um dom que recebemos na medida em que nos colocamos numa posição de amorosa dependência perante o nosso Criador e Salvador. A nossa liberdade é de fato proporcional ao amor e à confiança que nos unem ao nosso Pai do Céu.

É muito comum termos a impressão de que o que limita a nossa liberdade são as circunstâncias que nos envolvem: as restrições que a sociedade nos impõe, as obrigações de todo tipo que os outros fazem pesar sobre nós, aquela limitação psíquica ou de saúde que nos trava etc.
Nesse caso, para encontrarmos a nossa liberdade seria preciso eliminar essas restrições e limitações. Quando sentimo-nos um pouco “sufocados” por certas circunstâncias que nos aprisionam, passamos a ter raiva das pessoas ou instituições que parecem ter sido a causa delas. Quantos ressentimentos guardamos assim contra tudo o que nos contraria na vida e impede-nos de ser livres como desejaríamos!
Essa maneira de ver as coisas tem com certeza alguma parte de verdade: existem certas limitações que é preciso superar, barreiras que é preciso transpor para conseguir a liberdade. Mas há também uma parte grande de ilusão que é necessário desmascarar: mesmo que desaparecessem da nossa vida todas aquelas coisas que consideramos impedimentos à nossa liberdade, isso não nos daria nenhuma garantia de encontrar a plena liberdade à qual aspiramos.
Quando derrubamos os limites, encontramos outros um pouco mais adiante. Quem insiste nessa problemática corre o risco de entrar num processo sem fim e numa insatisfação permanente. Sempre iremos nos deparar com contrariedades dolorosas. Podemos libertar-nos de certo número delas, mas depois aparecem outras mais inflexíveis: as leis da física, os limites da condição humana e os da vida em sociedade etc.
A verdadeira liberdade, a soberana liberdade do crente, consiste em sempre ter, sob quaisquer circunstâncias, a possibilidade de crer, de esperar e de amar. Disso ninguém poderá jamais o impedir: Nem a morte, nem a vida, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem criatura alguma poderá separar-nos do amor de Deus que se manifesta em Cristo Jesus, Nosso Senhor (Rm 8, 39).
Nenhuma circunstância do mundo poderá jamais me proibir de crer em Deus, de pôr nEle toda a minha confiança, de amá-lo de todo o coração e de amar o meu próximo. A Fé, a Esperança e a Caridade são soberanamente livres: se estiverem suficientemente enraizadas em nós, serão capazes de alimentar-se até mesmo daquilo que se opõe a elas!
Se pela perseguição quiserem impedir-me de amar, sempre tenho a possibilidade de perdoar os meus inimigos, transformando, assim, a situação de opressão num amor maior ainda. Se quiserem sufocar a minha fé tirando-me a vida, a minha morte tornar-se-á a mais bela confissão de fé que se pode conceber! O amor é capaz de vencer o mal com o bem, de tirar de um mal um bem.
O exercício da liberdade como escolha entre diferentes possibilidades é certamente importante. Contudo, é fundamental que se entenda – sob pena de expor-se a dolorosas desilusões – que há outra maneira de exercer a liberdade, menos grandiosa à primeira vista, mais pobre, mais humilde, mais corriqueira afinal, e que é de uma fecundidade humana e espiritual imensa: a liberdade não somente de escolher, mas de também aceitar aquilo que nós não tínhamos escolhido.
Desejaria mostrar o quanto essa forma de exercitar a liberdade é importante. O ato mais alto e mais fecundo da liberdade humana reside mais no acolhimento do que na dominação. O homem manifesta a grandeza da sua liberdade quando transforma a realidade, mas manifesta-a ainda mais quando aceita, confiante, essa mesma realidade – tal e qual ela lhe é dada – dia após dia.
É fácil e natural aceitar as situações que se apresentam na nossa vida com um aspecto agradável e prazenteiro, mesmo que nós não as tenhamos escolhido. O problema surge, evidentemente, em face do que nos desagrada, que nos contraria, que nos faz sofrer. Mas é precisamente nesses domínios em que somos freqüentemente chamados – para sermos verdadeiramente livres – a “escolher” aquilo que não tínhamos querido, e às vezes até mesmo aquilo que não aceitaríamos por preço nenhum. Eis uma lei paradoxal da vida: só poderemos ser verdadeiramente livres se aceitarmos não sê-lo sempre!
O homem livre – o cristão espiritualmente “maduro”, isto é, o que age verdadeiramente como um “filho pequeno” de Deus – é aquele que experimentou a radicalidade do seu próprio nada, a sua miséria absoluta, aquele que, por assim dizer, ficou “reduzido a nada”, mas que no meio desse nada descobre uma ternura inefável: o amor absolutamente incondicional de Deus. A partir desse instante não haverá para ele nenhum outro apoio, nenhuma outra esperança além desta: a misericórdia sem limites do Pai. Essa será a sua única e exclusiva segurança.
Ele espera tudo dessa misericórdia e somente dela: não mais dos seus recursos pessoais nem da ajuda dos outros. Realizam-se nele as palavras que Deus dirigiu a Israel pela boca do profeta Sofonias: Deixarei subsistir no meio de ti um povo humilde e modesto, que porá sua confiança no nome do Senhor. Os que pertençam a esse resto de Israel se absterão do mal (…) serão apascentados e repousarão, sem haver quem os inquiete (Sf 3, 12-13). Ele se esforça generosamente por fazer o bem e recebe com alegria e reconhecimento todas as coisas boas que lhe vêm do próximo, mas com uma grande liberdade, pois o seu apoio está em outro lugar: está somente em Deus.
Ele não se inquieta, portanto, por causa das suas fraquezas, nem se irrita com os outros por eles nem sempre corresponderem ao que esperava deles. O seu apoio em Deus o protege contra todas as decepções e lhe confere uma grande liberdade interior, que o leva a dedicar-se por inteiro ao serviço de Deus e dos seus irmãos, os homens, com a alegria de quem está devolvendo amor por amor.
O nosso mundo anda à busca da liberdade, mas a procura na acumulação de posses e de poder. Esquece-se dessa verdade essencial: só é verdadeiramente livre quem não tem nada a perder, porque já se desprendeu de tudo, despojou-se de tudo, e por isso está livre em relação a todos (cf. 1Cor 9, 19): dele pode-se dizer de verdade que deixou a morte “atrás de si”, pois todo o seu bem passou a estar somente em Deus.
Os que nada cobiçam e os que nada temem são soberanamente livres. Quem nada cobiça, porque tudo o que é verdadeiramente importante já lhe está assegurado por Deus; quem nada teme, porque nada tem a perder: não precisa proteger coisa alguma nem se sente ameaçado por ninguém, nem mesmo pelos seus inimigos. Ele é o pobre das Bem-aventuranças: desprendido, humilde, misericordioso, manso, artífice da paz.
Na parte central do Evangelho estão as Bem-aventuranças. A primeira resume todas elas: Felizes os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus (Mt 5, 3). A pobreza de espírito, a dependência total de Deus e da sua Misericórdia, é a condição da liberdade interior. É ela que nos faz ser como as crianças, e tudo esperar do Pai.
Não sabemos o que virá sobre o mundo nos próximos anos; quais serão os acontecimentos que marcarão o terceiro milênio. Mas uma coisa é certa: nunca serão pegos de surpresa aqueles que souberem descobrir e desenvolver o espaço inalienável de liberdade que Deus depositou nos seus corações ao fazer deles seus filhos.

Extraído de: , acesso em 08 de junho de 2009.

Padre Jacques Philippe
Comunidade Beatitudes – França

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