Um estatuto para os nascituros

Todos os anos, no começo de outubro, a Igreja Católica realiza no Brasil a semana pela vida. A vida é preciosa e deve ser defendida e protegida sempre: “escolhe, pois, a vida”, é a recomendação bíblica (Deuteronômio 30,19). Os cristãos crêem no Deus da vida, que ordenou – “não matarás”; e são discípulos de Jesus Cristo, vencedor da morte e restaurador da vida: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João, 14,6).

O objetivo da semana pela vida é alimentar uma cultura favorável à vida. Mas também é uma manifestação de alerta diante de todo desprezo, desrespeito e agressão contra a vida humana, ameaçada pela miséria que mata cedo, ou impede de viver dignamente; pelas drogas e outros vícios, que estragam a saúde e corrompem a vida; pela violência, exercida de mil maneiras, causa de tragédia e dor; pelo aborto provocado, silenciosa e assombrosa ceifa de vidas inocentes e indefesas. Não dá para ficar indiferentes diante do desprezo à vida!

A semana culmina com o Dia do Nascituro, 8 de outubro, instituído pela CNBB para valorizar a vida nascente. Há projetos de lei no Congresso Nacional para legalizar a prática do aborto! Há mesmo quem pretenda que isso é um direito humano. Tirar a vida de seres humanos inocentes e indefesos seria um direito humano?! Para camuflar a realidade, fala-se em “despenalização” ou “descriminalização” do aborto, “interrupção da gravidez” ou “parto antecipado”… O objetivo é sempre o mesmo: Legalizar a supressão da vida de seres humanos inocentes e indefesos. Espalhou-se o uso da pílula do dia seguinte (“método contraceptivo de emergência”), que também pode ser abortiva, se já houve fecundação após uma relação sexual. Inócua, a discussão sobre o início da vida humana; alguém tem dúvida séria?

Há também quem argumente que a mulher teria o direito de decidir sobre seu próprio corpo; tratando-se da gravidez, há nisso um equívoco primário, pois o feto ou bebê, que ela traz no útero, não é parte do seu corpo, mas um outro corpo, diverso do dela; melhor dito, é um outro ser humano, diverso dela. A natureza da mulher recebeu de Deus a bela e gratificante missão de conceber e acolher a vida humana, de fazê-la vir ao mundo, de amparar e proteger esta vida frágil e linda. Evidentemente, desaprovando o aborto, não queremos a todo custo o castigo das mulheres que, por alguma razão, o praticam. A proibição legal da prática do aborto não visa o castigo, mas a proteção do direito à vida. Porém, como proteger a vida nascente e assegurar o primeiro de todos os direitos humanos, se o aborto fosse legalizado? O Estado não pode ser relapso em fazer cumprir a lei existente, sobretudo contra clínicas clandestinas (nem tão clandestinas), que exploram o mercado do aborto.

A defesa da vida nascente também requer uma educação sexual adequada para evitar, ou superar a banalização do sexo, causa freqüente de gravidezes indesejadas. Requer ainda o amparo a toda mulher que gera um filho, talvez até em situação problemática; a medicina, a psicologia e a assistência social podem fazer muito por ela, bem como as organizações religiosas. Verdadeira política pública de amparo à maternidade e à infância seria ajudar toda mulher a ter seu filho com dignidade e segurança. A mulher grávida merece todo o respeito e homenagem; ela presta um serviço inestimável à humanidade!

No Congresso Nacional também tramita o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007); na linha dos principais tratados e convenções internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil, nos quais é reconhecida cada vez mais claramente a personalidade e o direito do ser humano à vida, mesmo antes do nascimento, esse Estatuto visa dar proteção à vida por nascer. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, já afirmava que “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa. Todo ser humano tem direito, em toda parte, ao reconhecimento de sua personalidade jurídica” (art. 3 e 6).

Dez anos depois, em 1958, a Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, da qual o Brasil é signatário, foi além e afirmou que “a criança (…) necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes, quanto após seu nascimento”. Passados mais dez anos, em 1969, o Pacto de São José, da Costa Rica, que o Brasil também endossou, afirmou: “Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica. Toda pessoa tem o direito a que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção” (art.1, 3 e 4).

Nosso Código Penal, de 1940 reconhecia o nascituro como pessoa, ao enquadrar o aborto entre os “crimes contra a pessoa” (art. 124 a 128). O novo Código Civil, de 2002, ao tratar do direito de herança, menciona como pessoas tanto as nascidas como as já concebidas: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (art. 1798). Ora, se a lei reconhece o direito de herança “às pessoas já concebidas”, quanto mais deve ser reconhecido o direito à vida, o primeiro e mais fundamental!

Aos Parlamentares, apenas eleitos, cabe a missão de retomar o Estatuto do Nascituro para a sua discussão e aprovação final. Os nascituros são bem-vindos a este mundo; suas mães sejam abençoadas! Eles ainda nada podem fazer por si, nem lutar pelo seu direito de viver e de serem considerados seres humanos, e não “coisas” descartáveis. É tarefa que cabe aos adultos: Aos genitores, a cada pessoa, à sociedade como um todo e ao Estado.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Fonte:
CNBB

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